Experiência pública e sujeitos periféricos: a emergência de uma nova geração de experimentações democráticas em Porto Alegre[1]

Public experience and peripheral subjects: the emergence of a new generation of democratic experiments in Porto Alegre

Valéria Giannella[2] y Adriane Vieira Ferrarini[3]

 

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Resumo

Experimentações democráticas, construídas além da institucionalidade, têm se disseminado, em meio à crise da democracia neoliberal, sem encontrar amparo no modelo participativo de democracia, diante dos limites estruturais que ele vem apresentando. Objetivo deste trabalho é sugerirmos uma ampliação do seu escopo e das gramáticas de ação que o substanciam, trazendo reflexões a partir do conceito de “experiência pública” e suas interconexões com as noções de “periferia” e “sujeito periférico”. Para tanto, movemos da apresentação de uma prática sociocentrada, realizada em Porto Alegre: o Congresso Popular de Educação para a Cidadania (CPEC), um fluxo de eventos cocriados por dois coletivos cidadãos, visando a entrada em cena de vozes periféricas e a ampliação da cidadania. A descrição e interpretação do CPEC[4], nos permite avançar a hipótese de uma relação privilegiada entre contextos periféricos e possibilidades de experimentação democrática sociocentrada. A metodologia compreendeu participação observante, entrevistas com articuladores e participantes e análise de registros dos eventos, além da elaboração teórica da revisão bibliográfica. À luz das observações e reflexões realizadas, afirmamos a existência de um elo entre a produção de experiências públicas, periferias e subjetividades periféricas, sendo estas últimas potenciais protagonistas de experimentações democráticas voltadas à inclusão de grupos historicamente marginalizados e segregados. A partir da construção de vínculos sociais e capacidades sociopolíticas, observamos e buscamos fortalecer a emergência de uma nova geração de experimentações democráticas, em Porto Alegre e alhures.

Palavras-chave: Experiências públicas, periferias, sujeitos periféricos, experimentações democráticas.

 

Abstract

Democratic experiments, built beyond institutionality, have been disseminated, in the midst of the crisis of neoliberal democracy, without finding a reference in the participatory model of democracy, given the structural limits it has presented. In this work we bring reflections on the concept of “public experience” and its interconnections with the notions of “periphery” and “peripheral subject”, moving from the presentation of a socio-centered practice, carried out in Porto Alegre (RS-BR). The Popular Congress of Education for Citizenship (CPEC) was a flow of events co-created by two citizen collectives, aiming to bring peripheral voices onto the scene and expand citizenship. The description and interpretation of CPEC allows us to advance the hypothesis of a privileged relationship between peripheral contexts and possibilities of socio-centered democratic experimentation. The methodology included observant participation, interviews with organizers and participants and analysis of events records, in addition to the theoretical elaboration of the bibliographic review. In light of the observation and reflections carried out, we affirm the existence of a link between the production of public experiences, peripheries and peripheral subjectivities, the latter being potential protagonists of democratic experiments aimed at the inclusion of historically marginalized and segregated groups. In this way, through the construction of a network of social bonds and sociopolitical capabilities, we observe, and seek to strengthen, the emergence of a new generation of democratic experiments, in Porto Alegre and elsewhere.

Keywords: Public experiences, peripheries, peripheral subjects, democratic experiments.

 

 

1. Introdução

O presente trabalho é focado na apresentação do Congresso Popular de Educação para a Cidadania (CPEC) em sua 1ª e 2ª edições. A descrição/interpretação destes eventos –  realizados em Porto Alegre nos anos de 2022 e 2023, por dois coletivos cidadãos – nos permite articular a reflexão sobre crise democrática com aquela sobre a busca de estratégias para a sua superação em um contexto urbano (Porto Alegre) que faz parte da história das experimentações democráticas do Brasil e, de certa forma, do mundo. Ainda, nos permite observar a pluralização das estratégias de ampliação de formatos participativos em contextos periféricos, isto é, no lócus onde os fenômenos de exclusão da dinâmica democrática encontram-se mais acirrados.

Consideramos a democracia como um conceito em disputa (Avritzer, 2011; Dagnino; Giannella, 2020;  Hofmann, 2020; Tatagiba, 2007); um significante sem significado certo, podendo encobrir, o seu uso, as práticas mais diversas e, em muito casos, mais distantes do significado originário da palavra, sendo ele o “governo do povo”. A sua origem nos remete a uma história que, supostamente, não é a nossa (costuma-se indicar a origem desta forma de governo na Grécia antiga) e sabemos por certo que o Norte Global tem usado, desde algumas décadas, a ideia de “exportar a democracia” nos países do Sul como uma das muitas estratégias para corroborar formas multidimensionais de colonialismo.

Falando a partir do Sul Global e, nomeadamente, do Brasil, podemos afirmar que, neste país, a experiência da democracia é algo fortemente marcado pela classe, pela raça e pelo gênero, para falar apenas nos mais evidentes marcadores sociais que afetam a “vivência democrática” do nosso povo. “Essa democracia que vocês falam e defendem, a gente não conhece”. Esta lapidária afirmação da Helena Silvestre[5] sumariza a realidade do que poderíamos chamar de “democracia inconclusa” no Brasil (e não apenas nele), isto é, um sistema político que não chega a tocar, incluir, beneficiar, amplas camadas da população brasileira; são estas as tradicionalmente marginalizadas do projeto de desenvolvimento nacional, silenciadas, menosprezadas, invisibilizadas e criminalizadas pelas suas culturas e modos de vida, além de tidas como incompetentes para exercer os direitos/deveres cidadãos. Consideramos importante destacar essas ressalvas pois, de acordo com Mignolo (2014), não consideramos a democracia um fim em si, mas um meio para o alcance de uma vida plena e digna, em sociedades justas e harmoniosas; de certo não se pode dizer que o único meio para alcançar esse objetivo seja a democracia, especialmente porque, até agora, essa forma de governo não demonstrou saber/poder garantir esse resultado. “Nessa lógica, a democracia seria então apenas um meio para o alcance de um fim que não se encontra automaticamente embutido na própria definição do conceito ou, dito de outra forma, a mera referência a um “modelo democrático” ainda não diz nada da possível variedade de projetos políticos subjacentes ao próprio modelo” (Giannella, 2020, p. 309).

Cientes de que, até nos países considerados democracias consolidadas, o estado real deste sistema de governo está longe de ser ideal e garantir acesso universal a direitos e o direto à diferença, focaremos aqui em nosso contexto, e começaremos por diferenciar democracia de baixa e de alta intensidade (Santos, 2006). Define-se, com a primeira, uma democracia formal e baseada no atendimento de alguns critérios mínimos de tipo institucional e procedimental, ou, quanto à segunda, um formato que substancia a práxis democrática a partir de processos abrangentes de envolvimento dos cidadãos e das cidadãs nas escolhas políticas e no governo participativo do território e das comunidades. Estamos falando, em suma, da diferença entre um modelo de democracia neoliberal e outro que privilegia sua declinação participativa, nenhum dos quais consideramos unitário ou isento de contradições internas. A partir de uma reflexão crítica sobre o modelo participativo de democracia e da explicitação de alguns limites estruturais que ele tem encontrado em sua concretização no Brasil, o nosso objetivo nesse texto é de sugerir uma ampliação do seu escopo e das gramáticas de ação que o substanciam. Neste intuito propomos a descrição e interpretação do CPEC[6], que ainda nos permite avançar a hipótese de uma relação privilegiada entre contextos periféricos e possibilidades de experimentação democrática sociocentrada. As principais lentes teóricas utilizadas são o conceito de “experiência pública”, “periferia” e “sujeito periférico”. 

O “experimentalismo democrático” é um campo de reflexão diverso que, desde algumas décadas, observa a “democracia real” na vontade de explorar possíveis remédios/alternativas para a performance decepcionante desse sistema de governo tão decantado pelo mundo afora. Devido aos limites de espaço, sintetizamos aqui as suas várias inspirações reconhecendo, em primeiro lugar, uma vertente que interpreta o experimentalismo relacionado à dimensão institucional da democracia e às perspectivas de reforma da estrutura constitucional da política e do Estado (Dorf & Sabel, 1998; Gaspardo, 2018; Unger, 2011). Em segundo lugar, destacamos uma outra vertente, não totalmente separada da primeira, que se encontra associada às múltiplas e eventualmente contraditórias abordagens teóricas que sustentam as práticas de problem-solving, no campo dos public affairs e da governança democrática. Tais abordagens vão desde a escolha racional até o pragmatismo ou vertentes relacionais (Ansell, 2011; Dorf & Sabel, 1998; Schön, 1984). No entanto, o nosso interesse está na aproximação de práticas sociocentradas, em sua grande variedade e diferentes gramáticas, considerando-as processos investigativos e de aprendizagem com potencial de ampliar os cânones da participação democrática. São tais práticas que caracterizaremos, mais a frente, como experiências públicas.

O seguimento deste paper se articulará em mais quatro partes, além desta introdução: na segunda apresentaremos sinteticamente as características do CPEC, iniciado como atividade pontual em 2022, que chegou a gerar, desde então, dez eventos em oito comunidades periféricas. Na terceira será apresentada a forma em que usaremos os conceitos de “periferia”, “sujeitos periféricos” e “experiência pública”, aprofundando em que sentido este último assume o seu pleno significado quando mobilizado em contextos que podemos definir de “periféricos” e refletindo sobre o papel potencial das “vozes periféricas” na radicalização da democracia. Na quarta trataremos das potências e limites do CPEC enquanto experiência pública, apresentando e refletindo as encruzilhadas que ela está enfrentando neste momento. Por fim, apresentaremos algumas conclusões buscando amarrar os fios das nossas perguntas e ponderações, para apontar pistas para seguir na pesquisa.

 

2. O Congresso Popular de Educação para a Cidadania

Antes de iniciarmos a apresentação e análise do CPEC, cabe uma nota metodológica. Os dados apresentados e analisados nesta e na quarta seção do texto foram produzidos sob uma perspectiva participativa de pesquisa. Há um conjunto de vertentes e conceitos que compõem o universo das pesquisas participativas, cujas especificidades se relacionam ao tipo de participação do(a) pesquisador(a) e ao nível de envolvimento dos sujeitos envolvidos. Sem adentrar neste amplo debate, nos valemos aqui do conceito de pesquisa participativa de Cicilia Peruzzo, que diz tratar-se de uma “investigação efetivada a partir da inserção e na interação do pesquisador ou da pesquisadora no grupo, comunidade ou instituição investigados (2017, p. 165).

São também inúmeras as modalidades de pesquisa participativa, tendo a sido a metodologia da participação observante a que mais se adaptou ao tipo de inserção engajada da pesquisadora – segunda autora deste artigo - em todas as etapas da cocriação do CPEC, desde o planejamento até a realização e avaliação dos eventos, com vínculo mais estreito com a comissão de metodologia. A “participação observante” é um neologismo criado para marcar sua distinção de observação participante modalidade etnográfica muito antiga e mais usualmente utilizada – justamente  por se tratar de um enfoque que admite e pressupõe um nível mais elevado de participação ou envolvimento do(a) pesquisador(a) no grupo pesquisado. O pesquisador atua como parte do grupo pesquisado ao mesmo tempo em que o observa. Ainda assim, a participação observante não atinge os níveis de envolvimento do(a) pesquisador(a) previstos pela pesquisa-ação participante. Quando a participação observante é realizada no campo dos movimentos sociais e comunitários, em geral

a motivação é compreender de modo sistemático e com base científica suas dinâmicas, limites, origens e os processos de comunicação existentes, como forma de identificar suas inovações, virtudes e avanços, mas também as falhas e os desvios das práticas sociais (...) além de deixar subsídios para se aperfeiçoar o trabalho desenvolvido (...). Paralelamente, poderá ter a preocupação de documentar a história das experiências consideradas relevantes e dignas de serem registradas e dadas a conhecer a outros públicos – como o acadêmico – e ao conjunto da sociedade (Peruzzo, 2017, p. 179-180).

É comum que o grupo dê anuência às modalidades participativas de pesquisa, pois os vínculos de colaboração e confiança costumam ser anteriores. Este foi o caso do CPEC, em que não apenas havia a anuência, pois era esperado que cada integrante tomasse parte da experiência e contribuísse a partir dos saberes e recursos que mobilizava. Dado o caráter dinâmico do processo de cocriação do CPEC e a necessidade de escutas mais qualificadas dos múltiplos grupo que compunham a experiência, procedemos a entrevistas semiestruturadas individuais e grupais que envolveram doze participantes (identificados com nomes fictícios), cinco lideranças comunitárias e participantes dos coletivos protagonistas - Poa Inquieta e POntA Cidadania -, e sete profissionais (sendo dois aposentados). Tratou-se de uma amostra intencional, a partir do critério de representatividade no tocante ao engajamento e desengajamento. Ainda que com uma amostra limitada, buscamos trazer narrativas que evidenciassem posições distintas em prol de uma análise crítica e reflexiva. Outras fontes de dados foram, primeiramente, a análise documental através do acesso a relatos produzidos durante o Congresso, avaliações pós-congresso das comissões de trabalho e um acervo significativo de fotos e filmagens.

O CPEC surgiu em Porto Alegre, cidade que se tornou referência mundial por inovações públicas democráticas construídas entre as décadas de 1990 e início de 2000, com experiências quais o Orçamento Participativo (Fedozzi, 2007) fortemente centrado na ação estatal (Ferrarini, 2023;Ferrarini & Giannella, 2023). Em seguida, a cidade passou a viver uma estação de forte recessão democrática e desmobilização dos processos participativos e, já na última década, passou a ser cenário do surgimento de um conjunto de experimentações democráticas sociocentradas sob o formato de coletivos (Gaiger, 2020; Hoffmam, 2020; Pleyers, 2010), dois dos quais deram origem ao CPEC. Em boa parte das experiências estudadas observamos que elas não configuram movimentos isolados, mas compõem redes, mais ou menos estruturadas, que oportunizam processos amplos de conexões e aprendizagens (Ferrarini, Pereira & Müller, 2020; Ferrarini, 2022). O CPEC expressa e representa a atual emergência de experiências que ganham corpo fora dos moldes da institucionalidade, justamente desde a cidade onde surgiram experiências participativas institucionalizadas de grande impacto e notoriedade. Isso nos instiga a refletir em torno dos limites da participação institucionalizada, tema que suscitou, ao longo dos últimos vinte anos, um acúmulo de pesquisas que, em suma, retratam as Instituições Participativas (IPs) como importantes arenas públicas na luta pela radicalização da democracia, porém frequentemente reprodutoras de exclusões e hierarquias próprias da sociedade como um todo. (Avritzer, 2011; Brasil, 2012; Cunha, Almeida, Faria, Ribeiro, 2011; Dagnino, 2002; 2004; Dagnino; Tatagiba, 2007; Gaspardo, 2018; Giannella, 2018; IPEA, 2012, 2014; Nuñez, 2018; Tatagiba, 2010; Teixeira, 2013).

Dentre as características inovadoras e peculiares do CPEC, chama atenção a relação forte e íntima – dado o caráter participativo e de integralidade[7] desde a sua cocriação - entre sujeitos e grupos periféricos e não-periféricos. O Poa Inquieta é um coletivo cidadão criado em 2017, cuja finalidade é a de promover a articulação de pessoas, recursos e iniciativas para a transformação local a partir de princípios de inclusão, diversidade, criatividade e sustentabilidade”. Ele se organiza em rede por meio de 27 grupos de WhatsApp sobre os mais variados temas (sustentabilidade, educação, política etc.) e de encontros presenciais inspirados nas rodas de conversa de Medellín[8]. O Coletivo Poa Inquieta já conectou mais de 3.000 pessoas e realizou mais de 700 rodas de conversa presenciais e remotas. O segundo coletivo, o POntA Cidadania, é um coletivo formado por mais de 50 organizações periféricas e pessoas que querem cooperar para uma Porto Alegre mais justa e inclusiva para todos. O foco está no engajamento entre os participantes, possibilitando trocas, ajuda mútua e diálogos que potencializem a ação coletiva. Ele surgiu com alguma inspiração no formato em rede do Poa Inquieta e no âmbito de suas redes de articulação.

O CPEC foi proposto e estruturado em meados de 2021, por um membro de ambos os coletivos, e propunha um conjunto detalhado de temas relevantes para a cidade, porém pré-determinados - e uma metodologia de rodas de conversa que já era peculiar à experiência dos coletivos, ao invés de palestrantes e outros recursos tradicionais. Na medida em que o grupo de ativistas se integrou mais intensamente no processo, o CPEC se transformou em um laboratório vivo, no qual as ideias também tinham vida própria e iam sendo cocriadas através de processos participativos e integrativos[9]. Ao apresentar este processo de cocriação nos interessa indagar os fatores que possibilitaram a inclusão dos “sujeitos integrais”, assim como a criação de espaços de convivência entre diferentes, contribuindo para a disseminação de formas de mobilização popular auto-organizadas, isto é, de experimentações para democratização da cidade.

Esta trajetória adquire sentido quando percebemos o perfil dos seus participantes mais ativos e sua vinculação à memória e à identidade de uma cidade politicamente ativa e inovadora, seja por uma geração que viveu e construiu a “cidade capital da democracia dos anos 2000”, seja por uma geração mais nova que recebeu esta “herança política ativista” da família ou, fortemente no caso do CPEC, se autoconstruiu como periferia desde sua arte (muito são do RAP e do Hip-hop), assim como lideranças de organizações e trabalhos comunitários. Assim, a intergeracionalidade é uma característica muito forte do grupo, havendo uma distribuição que se pode considerar equilibrada de idades entre os 30 e os 80 anos. São três gerações que trabalham pari passu, integrando diferentes facetas de experiência, maturidade, ímpeto, criatividade etc. Há ainda um bom equilíbrio de gênero, o que também contribui para que modos distintos de sentir os movimentos de grupo e de empreender ações, permitam um avançar consistente.  

Considerando a diversidade de sujeitos envolvidos, José (liderança comunitária) nos ajuda a entender: “O fura-bolha não começou agora. O congresso é só uma forma de maximizar o que já fizemos desde a primeira roda de conversa na Alameda [comunidade periférica de Porto Alegre] em 2019 e também no 1º pré-congresso em 2022, quando nós fizemos um desenho onde o pessoal do morro estava descendo e o pessoal de cima [pessoas de classe média, acadêmicos e gestores] também estava descendo e a gente estava se encontrando no meio. Quando eu vi aquele encontro no meio, eu me transformei”. O sentimento relatado por José, a partir de uma dinâmica com desenhos e depois com o debate em uma grande roda, foi o de ser possível este encontro entre pessoas de diferentes marcadores sociais e do quanto ele se sentiu acolhido e legitimado a ocupar esse espaço.

Desde o início, o CPEC foi pensado para ser um congresso, apropriando-se de um conceito restrito ao meio acadêmico, corporativo e profissional e ressemantizando-o. O desafio era o de fazer valer o imperativo do termo “popular”, não somente por acontecer em comunidades periféricas, mas pela intenção de cocriar junto com as pessoas que lá vivem. Este desafio foi abraçado e vivenciado na prática na medida em que múltiplos conhecimentos e modos de conhecer iam sendo validados e articulados nos processos de cocriação do próprio CPEC (seus objetivos, metodologia, organização etc.). Já a referência à educação para a cidadania pretende colocar a educação no foco, porém se diferenciando do objetivo predominante da formação laboral (como na concepção mainstream), e visando um processo educativo de reflexão crítica sobre a realidade periférica e o protagonismo local. A sensação que perdurou ao longo da cocriação e do 1º CPEC, em 2022, era de uma significativa complementaridade de saberes, linguagens, temporalidades e modos de condução das atividades. Como um processo espontâneo e quase lúdico, dividiam “o palco” a artista periférica com a professora universitária, o empreendedor com o líder comunitário e a atmosfera era de criação de algo inédito. Os ativistas voluntários envolvidos na gestão e organização souberam valer-se da diversidade para integrar as capacidades singulares de cada grupo.

A cocriação se deu através de três pré-congressos (março, maio e agosto de 2022), que reuniram cerca de 200 pessoas entre lideranças comunitárias, estudantes de escolas públicas, acadêmicos, gestores públicos e empreendedores, num diálogo de saberes mediado por rodas de conversa. O cuidado para que vozes usualmente silenciadas pudessem se manifestar tem sido alvo de constante atenção. “Não basta nos sentarmos em roda, supondo que nossa posição física igualitária eliminará as desigualdades” (Ferrarini, 2023, p. 1). Neste aspecto as metodologias integrativas foram importantes, guiando a mobilização dos corpos e emoções, afetos e criatividade, em todos os encontros através de atividades de meditação e artísticas (desenhos, músicas etc.) e viabilizando a criação de um ambiente onde a escuta ativa e a troca eram possíveis. Percebemos que autocensuras e eventuais julgamentos sobre quem sabe e quem não sabe, quem pode falar e quem não tem este poder, foram amenizados.

Neste processo, o objetivo do CEPC foi o de ser um espaço de construção colaborativa para a (trans)formação de cidadãos ativos e de uma sociedade inclusiva, democrática e sustentável. Como objetivos complementares: escutar as vozes das periferias; articular uma rede de cooperação entre toda a sociedade; estimular a participação de representantes comunitários em espaços de decisão e iniciar um processo de (trans)formação cidadã. Abordaremos em um tópico posterior alguns comentários sobre potências, limites e encruzilhadas frente aos quais se encontra o coletivo de sujeitos e sujeitas que organizaram este processo. A seguir focaremos a atenção sobre os conceitos de periferia e de experiência pública.

 

3. Experiências públicas e periferias; experiências públicas nas periferias

3.1 Sobre as periferias e o sujeito periférico

O substantivo “periferia”, assim como o adjetivo, “periférico”, são imbuídos de múltiplos significados e passíveis de serem usados em campos temáticos e de conhecimento tais quais o econômico, o social, o urbano, o político – dentre outros – sempre conotando uma relação que, inevitavelmente, aponta hierarquizações e torna-se valorativa (Jesus, 2021). Definir algo como “central”, significa, ou que já apresenta uma série variada de características positivas, ou que vai receber cuidados especiais para criar/manter/reforçar tal centralidade; por outro lado, algo que se defina “periferia” ou “periférico”, qualifica-se, de imediato, enquanto distante, subordinado, marginal, desordenado, longe do padrão positivo representado pelo “centro”.

Nestas notas, ao tratar de um caso ocorrido em Porto Alegre com objetivo explícito de abrir espaço para a ativação de uma cidadania periférica, nos colocamos no âmbito da reflexão sobre a periferia como fenômeno urbano e, especificamente, sobre a agência de sujeitas(os), periféricas(os) e não periféricas(os), interagindo e cocriando um fluxo de ações voltadas à democratização da cidade. O CPEC, idealizado através da interação de dois coletivos com características socioeconômicas distintas, nasce como congresso que trataria de temas predeterminados e evolui como laboratório vivo, na medida em que o grupo de ativistas se integra mais intensamente no processo.

D’Andrea (2020) nos traz uma reconstrução amplamente fundamentada na experiência própria de sujeito periférico, relatando a virada crucial dos anos 90 do século passado, quando, especialmente a partir de processos culturais, a palavra periferia começou a ser explicitamente assumida pelos seus moradores e a ganhar significados e simbolismos positivados.

Em síntese, nos anos 1980, por mais que o termo periferia fosse conhecido pelos moradores, não possuía a importância e nem era utilizado amplamente como outros. Qualitativamente seu significado era também distinto. Esse rechaço à sua utilização fez com que o discurso preponderante sobre periferia seguisse sendo proferido pelos distintos agentes da academia. O momento da mudança na preponderância ocorreu nos primeiros anos da década de 1990, quando fundamentalmente o movimento hip-hop passou a publicizar o termo. Naquele momento, a periferia reivindicou a palavra periferia, começando um processo histórico de modificação de seus significados. Os principais artífices desse processo foram expressões culturais. (D’ Andrea, 2020, p. 21)

Os movimentos, rap e hip-hop, iniciam um processo em que os próprios sujeitos periféricos constroem sua narrativa, sem necessidade de mediadores pertencentes a outros grupos sociais. Estes artistas, considerados pelo autor “intelectuais orgânicos” pela capacidade de captar anseios difusos na população e por ser explicitamente legitimados por ela em suas representações da periferia, produzem uma imagem onde coexistem os aspectos conhecidos da pobreza (segregação, marginalização e falta de acesso ao básico) e os elementos capazes de gerar orgulho, autoestima e sensação de potência (ibid. p. 22).

Aqui assumimos a proposta de D’Andrea que mostra como, a partir de processos culturais endógenos, se construiu, em torno do termo “periferia”, um conjunto de significados aparentemente contraditórios, mas que convivem, em tensão permanente, na realidade concreta. “Periferia”, ao mesmo tempo, escancara e denuncia (em pleno domínio do “consenso neoliberal”) o inferno que é viver dentro dela a partir das realidades da pobreza, violência, preconceito etc, mas também nega que estas realidades sejam exaustivas para a compreensão do que a própria periferia é: local de resistência de estilos de vidas comunitários e solidários, de criação de uma cultura própria, de arte que pode transcender as suas fronteiras, de capacidade de inovação e resiliência. A consciência desta ambiguidade e tensão constante é uma tônica do importante trabalho de Feltran (2013), ainda focado na periferia de São Paulo, mas também aparece em Jesus (2021), ao relatar rodas de conversa com discentes de ensino médio de uma escola pública estadual na cidade de Itabuna (BA), todos moradores de bairros periféricos nos permitindo imaginar certa transversalidade deste tipo de consciência, entre realidades geográficas e urbanas muito diferentes.

Gostaríamos de trazer mais uma última referência que nos interroga e questiona. Santos, Morais, Borges e Cardoso (2018) nos alertam a respeito da tendência, baseada numa tradição oriunda das ciência humanas (antropologia, sociologia da cultura, dentre outras) de apresentar e – aparentemente – valorizar as diferenças como diversidade enriquecedora, sem, de fato, chegar a considerar as desigualdades e relações assimétricas de poder que elas implicam. “Abordá-las [as diferenças] na chave da diversidade é um dos caminhos para evitar questionamentos sobre as relações de poder. Celebra-se a “diversidade” enquanto não se discute a posição das pessoas que a produzem e enunciam.” (Santos et. al. 2018, p. 8). Ora, uma vez iniciado o processo de subjetivação (D’Andrea, 2020; Kopper, Richmond, 2020) é normal se esperar que estes sujeitos desafiem a existência de porta-vozes de todos os segmentos políticos e reivindiquem protagonismo e representação própria nos espaços de poder (Santos et al., 2018)

Os e as autoras citadas nos fornecem lentes fundamentais para a leitura do caso do CPEC. No entanto, gostaríamos de apontar que, em boa medida, é a própria hierarquização consolidada entre o que é centro e o que é periferia que vem sendo colocada em discussão nas últimas décadas, a partir dos estudos decoloniais e contracoloniais, dos feminismos, do pensamento indígena, etc. A reivindicação do seu próprio lugar de fala pelos tantos sujeitos já qualificados de periféricos a partir da visão dominante, e as novas e potentes narrativas que vêm sendo produzidas, nos brindam, finalmente, com a autoafirmação de um mundo intrinsecamente complexo e plural substituindo a ideia, que se pretendeu impor por séculos, de uma visão de mundo, uma cultura, uma ciência, superiores às demais visões, culturas e formas de produção de conhecimento.

 

3.2 Sobre o conceito de experiência pública

Encontramos definições e reflexões sobre “experiências públicas” em Peres (2020) e Giannella (2020); relacionadas a formas específicas de experimentalismo democrático (Giannella 2023; Ferrarini, Giannella, 2023) ou que solicitam uma compreensão mais ampla daquela consolidada pelo mainstream do que possa vir a compor “fluxos de políticas públicas” (Boullosa, 2013; Peres, 2020; Peres, Boullosa & Bessa, 2021). Falamos de experiências públicas para apontar práticas sociocentradas, protagonizadas por grupos, teias, coletivos e redes que, de forma autônoma e auto-organizada, adentram processos de investigação e aprendizagem coletiva buscando “construir problemas públicos[10]” via observação crítica, discussão e identificação/criação de possíveis caminhos que modifiquem as situações problemáticas reconhecidas e, afinal, as suas realidades. Ao descrever esses processos destacamos o uso do conceito de experiência, amplamente abordado na obra do pragmatista John Dewey.

A reflexão sobre experiência tem vasta tradição, desde a filosofia, psicologia e pedagogia europeia do século passado, na qual autores como Dilthey, Nietzsche, Benjamim e Vygotskij trazem ricas contribuições, em geral diferenciando os conceitos de vivência e de experiência, sendo a primeira o registro imediatamente percebido de um acontecimento, base de possibilidade da segunda que já apresenta uma mediação lógica e reflexiva daquela fonte primária. Mais tarde, Dubet (1994), com a sua “sociologia da experiência”, conceitua a experiência social como atividade combinatória de lógicas de ação não hierarquizadas, cuja complexa articulação acaba produzindo a subjetividade e a reflexividade do ator (Wautier, 2003). No entanto, é Dewey (1927), teorizador da “democracia como forma de vida” e da educação com foco na prática e na formação de cidadãos ativos, que nos inspira fortemente a partir do seu conceito de “experiência estética” (2010 [1934]). Em suma, o autor qualifica de estética aquela experiência em que se re-integram as dimensões do humano separadas pelo pensamento ocidental moderno, nomeadamente pelo positivismo. A experiência estética é a que mobiliza o corpo e a mente, a nossa racionalidade, as emoções, a cultura, a espiritualidade...; é a experiência integral (Giannella, 2023), que também ecoa em um conceito marcadamente latino-americano como o sentipensar de Fals-Borda (2012) e de Escobar (2014). De fato, é exatamente a superação da concepção cindida e dicotômica do ser humano, intrinsecamente hierarquizada a favor do racional, calculável, previsível etc, que permeia uma visão antagonista à visão ocidental moderna, impregnando o avançar dos pensamentos de/contracoloniais, feministas, afrodiaspóricos etc... 

Nas práticas sociocentradas apontadas acima, costumamos observar este caráter estético e integrador; a corporeidade – com as marcas inscritas de raça, gênero, classe etc. – a emocionalidade e a espiritualidade se afirmam em rituais ancestrais reproduzidos, reinterpretados e inventados; a ação política não se separa destas dimensões, mas é atravessada e impregnada por elas; a produção de conhecimento na e pela ação coletiva produz uma experiência que – sem deixar de ser individual – se torna pública exatamente a partir da partilha dessas dimensões que abraçam e extrapolam o meramente racional para acolher esta multidimensionalidade e complexidade impensável na visão dicotômica de mundo. É o experienciar individual compartilhado no coletivo, com as complexidades e nuances que este agrega, a gerar o valor público da experiência, isto é, sua capacidade de representar e materializar formas relacionais e políticas outras, com relação às dominantes.

No entanto, é justamente a visão – ainda dicotômica – que resvala e se impõe na concepção tradicional da participação institucionalizada, que formata suas regras e códigos, que dita, implícita ou explicitamente, as falas que podem ser ouvidas e as “inescutáveis”. Esta leitura nos parece dar conta da constatação da escassa representatividade da participação institucionalizada, reconhecendo que ela afasta um vasto leque de sujeitos não dispostos a fazer parte como figurantes subalternos de um jogo que nunca poderão protagonizar. Em vez de adentrar “espaços convidados” (Miraftab, 2016) e, portanto, obrigados a aceitar as regras postas pelos “donos de casa”, eles preferem a organização de “espaços inventados“, isto é, criados por eles mesmos (ibid.) onde os corpos, as emoções, as vivências, os rituais e espiritualidades, as culturas, as cosmovisões e as linguagens não precisam ser esterilizadas e contidas e onde, nas práticas de autogestão e produção de comuns, podem ser ensaiadas formas mais radicais e inclusivas de democracia.

No intuito de oferecer um guia analítico para reconhecermos experiências públicas, apontamos as seguintes características transversais:

(1) são radicalmente sociocêntricas, compostas por um conjunto em movimento de atores, em que o “eu” experimenta o “outro”; (2) voltam-se à exploração de alternativas às formas de convivência dominantes, à identificação de problemas e a possíveis soluções através da criação de arranjos sociotécnicos situados e colaborativos (Moraes, Parra, 2020; Giannella, Martins 2020); (3) afirmam a não separatividade e interconexão entre corpo e mente, teoria e prática, projeto utópico e prática política do presente; 4) negam o Estado como centro necessário da ação política o que permite a declinação das ações “com o Estado”, “apesar” do Estado e “contra” o Estado (Souza, 2010) - ou ainda “para além do Estado” (Oliveira, 2021), traço que resvala, na capacidade estratégica de aproveitar das brechas de ação possíveis entre o Estado e o mercado e cooperar com ambos sem perder sua postura crítica e autonomia (Ferrarini, Giannella, 2023, p. 7).

Encerramos este tópico avançando a hipótese de que as periferias se apresentem hoje como espaço privilegiado de produção de experiências públicas. Isso exatamente pelo fato de serem elas (as periferias, não apenas urbanas) o lócus de subjetivação de atores tradicionalmente subalternizados na visão ocidental/moderna de mundo e que antagonizam esta visão afirmando a dimensão estética e integrativa da política e prefigurando espaços de possível experimentalismo e radicalização democrática.

 

4. Potências e limites do CPEC como experiência pública

Neste momento, avançando para uma parte final de cunho mais analítico acerca dos dados empíricos produzidos, cabe uma segunda nota metodológica. Ainda que as entrevistas tenham possibilitado um certo distanciamento saudável para a produção e análise dos dados, desde o lugar de “ver as coisas de dentro” típico da participação observante, a pesquisadora envolvida  na experiência - segunda autora deste texto - se viu imersa em um duplo sentimento. O primeiro é de um respeito profundo por tudo o que viu e viveu no contexto de maior intimidade e espontaneidade da cocriação. A produção de conhecimento se deu ao longo da experiência sem um planejamento estrito, totalmente imbricada neste fazer político cotidiano, o qual também é bastante imprevisível a partir das interações sociopolíticas e afetivas. O segundo sentimento foi de incerteza com relação à sua capacidade de interpretação das muitas descobertas, construções, convergências, divergências e criações vividas em meio a uma teia de intersubjetividades e transculturalidades. Considerando a forma em que o processo se desdobrou, desde o lugar de onde a pesquisadora se situa e das referências ou lentes através das quais vê, sente e interpreta aquele laboratório vivo de experiências, a pesquisadora afirma a necessidade de uma atitude de modéstia frente ao conhecimento produzido. Portanto, cabe admitir e explicitar que as conclusões aqui desenvolvidas são relativas e parciais, e que contribuem para iluminar aspectos de uma experiência multifacetada, sem que possam ser tomadas como definitivas ou representativas da única possível narração dela.

Dito isso, voltemos a algumas considerações sobre a experiência. Nesta pesquisa, quando tratamos sobre o “Congresso Popular de Educação para a Cidadania” podemos passar a ideia de ser um evento isolado; no entanto, a mobilização que aqui descrevemos e conceituamos como “experiência pública”, chegou à produção de um fluxo de eventos, internamente articulados, com consistência temática e manutenção de um grupo ativo de organizadores/as, responsáveis pelos diversos aspectos necessários à realização. Conforme destacados anteriormente na tentativa de contornar teoricamente o conceito de experiência pública, reconhecemos aqui a característica de ser sociocentrada, de valorizar a integralidade da presença dos sujeitos (a partir de suas corporeidades, gêneros, raças, culturas, emoções…), de buscar construir formas de relação e convivência alternativas às dominantes, de conceber sua atuação política, em autonomia, mas não necessariamente evitando a interação com o Estado.   

Atribuímos à sigla CPEC a produção de dez eventos que envolveram – nos anos de 2022 e 2023 – cerca de 2.000 pessoas a partir do trabalho, quase totalmente voluntário, de cerca de 50 pessoas (mais ativas) divididas em equipes responsáveis pelas áreas de gestão, comunicação, captação de recursos e metodologia. O recurso partiu do zero, tendo sido captado por doações de universidades, empresas e pessoas, além de crowdfunding. As(os) artistas periféricas(os) foram remuneradas/os, assim como artesãs e artesãos locais que expuseram na feira do Congresso. As atividades foram organizadas de modo que as pessoas pudessem escolher os temas das rodas, cobrindo quatro eixos temáticos: sociedade; meio ambiente; trabalho; cultura e arte. A metodologia se valeu de três perguntas mobilizadoras das rodas, aplicadas a cada eixo: 1) Que cidade (território ou comunidade) temos? 2) Que cidade queremos? 3) Como chegar lá? Após as rodas, os participantes carimbavam um Passaporte Cidadão com a cor do eixo que participaram, simbolizando com isso seu atravessamento das várias temáticas e as reflexões realizadas visando uma cidadania mais integral e ativa.

A avaliação do processo que compôs 1º CPEC, materializado ao longo dos múltiplos eventos realizados em 2022, de modo geral foi muito positiva. As rodas de conversa - aliadas às metodologias integrativas (o relaxamento no começo de cada atividade e os desenhos) e às atividades artísticas - foram fundamentais para a liberação das emoções que colocaram pessoas tão diferentes em condições de maior sensibilidade para a escuta empática e para a liberação de conteúdos inconscientes. “O grau de distância foi encurtado numa roda de conversa”, afirmou a liderança comunitária Maria. Também houve pessoas que trouxeram críticas, as quais integramos na nossa amostra intencional, como a liderança comunitária Ana: “O que o congresso pretende fazer independente das conversas? Porque as conversas são bem aleatórias e paralelas. Falta um para quê e um por quê.

Contudo, no geral, houve uma compreensão de que instaurar um processo pelo qual a comunidade pudesse refletir sobre si mesma, elencar prioridades que pudessem ser levadas ao poder público e à própria sociedade, bem como fortalecer um processo de fortalecimento de vínculos e mobilização local, já era bastante relevante: “A gente pode até não executar como a gente queria, mas tem coisas que são materiais e outras imateriais (...) fazer roda de conversa em territórios periféricos, falando de cidadania em diferentes perspectivas, metodologicamente não é fácil, mas mesmo imperfeito, no que é imaterial, tem uma força gigante” (Carlos, empreendedor e articulador dos coletivos).

O poder público também compreendeu essa relevância. De certa forma, ele foi chamado a contribuir com recursos e com a presença de gestores públicos nas rodas do CPEC, e, simultaneamente surgiu uma oportunidade de parceria com a Secretaria Municipal de Educação para a execução de uma parte do programa POA Cidade Educadora[11]. Com isso, passou a haver uma provisão sistemática de recursos para os próximos eventos, os quais foram destinados às lideranças periféricas, possibilitando-lhes atuar mais diretamente na organização do CPEC. Inicialmente foram duas lideranças e depois quatro, a maior parte artistas de RAP e hip hop. Isso trouxe maior autonomia decisória a esta equipe operacional, que alterou o formato metodológico do evento de 2023, o qual passou a incluir a realização de uma “grande roda”, com a presença de gestores públicos e intelectuais, em conjunto com lideranças locais dos coletivos e comunidades envolvidas. Numa delas registramos a presença do Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, assim como de secretários municipais e estaduais. Além disso, aproveitando o evento Fronteiras do Pensamento na cidade, o filósofo norte-americano Michael Sanders e o arqueólogo britânico David Wengrow participaram das grandes rodas. Estes, que podem se apresentar como avanços, causaram,  algum desconforto no coletivo, especialmente na comissão de metodologia, porque não tiveram tempo suficiente para passar por discussão interna. “Nós não somos contra as mudanças e que  líderes importantes venham à comunidade, até porque eles foram tratados da mesma forma que as lideranças locais na roda de conversa e fizeram uma escuta do povo dali. Foi um momento importante. O problema foi a forma como isso foi decidido”, afirmou Neuza (membro da comissão metodológica).

Dali para frente, os grupos não periféricos, que contribuíram fortemente na organização dos primeiros encontros, na busca de recursos, na sistematização do projeto e metodologia, foram crescentemente se tornando prescindíveis. Voltando à discussão da p. 11, tal como enunciado por Santos et al. (2018) D’Andrea (2020), Kopper, Richmond, (2020), a periferia ressignifica o adjetivo periférico e, desde um lugar de orgulho e de empoderamento, assim como de sua condição de intelectuais orgânicos, passa a protagonizar as ações, estabelecendo as regras e lidando com a institucionalidade. Na medida em que este protagonismo se acentuou, passou a fazer muito sentido que os grupos periféricos assumissem as múltiplas áreas do projeto e que passassem a trazer para perto outros moradores das comunidades periféricas que pudessem também assumir funções – num processo salutar e desejável de engajamento, capacitação e até mesmo de formação de novas lideranças.

Consideramos que O CPEC se fortaleceu, ao longo do tempo como “espaço inventado” (Miraftab, 2016), isto é, um espaço protagonizado, regrado e mantido pelos próprios sujeitos periféricos, onde os corpos, as emoções, as vivências, os rituais e espiritualidades, as culturas, as cosmovisões e as linguagens não precisam ser esterilizadas e contidas e onde, nas práticas de autogestão, podem ser ensaiadas formas mais radicais e inclusivas de democracia. A partir do 3º CPEC, o coletivo POntA Cidadania passou a assumir todas as funções, ao passo que o Coletivo Poa Inquieta era o próprio convidado. Para os membros deste último este processo gerou um sentimento de frustração, num primeiro momento, pelo engajamento e as energias postas e intercambiadas, mas após a pausa de reflexão, se materializou exatamente o próprio lema do Coletivo nos projetos em comunidade, que era “sair sem que sua ausência fosse sentida”. Em outras palavras, ser um elemento disparador de ações locais na periferia a partir dos recursos que pode mobilizar, visando a autonomia e protagonismo das(os) sujeitas(os) periféricas(os). Neste ínterim, os ativistas voluntários do Poa Inquieta voltaram suas energias para um novo projeto em curso na cidade, denominado Territórios Inovadores.

Avançando para o desfecho destas notas, pontuamos a seguir potências e desafios que a experiência nos propõe e, já nas conclusões, algumas reflexões que podemos traçar a partir dela.

Em primeiro lugar destacamos, como potência, o esforço de ampliação das modalidades de inclusão de sujeitos tradicionalmente marginalizados das dinâmicas participativas; na fase inicial da experiência, quando da interação entre os dois coletivos, a atenção constante ao que chamamos de cocriação correspondeu à consciência do perigo de falar “por conta de” ou de realizar um evento para e não com os sujeitos periféricos. Outro destaque è para a  valorização da dimensão integrativa ou “estética” da ação produzida, que representa o reconhecimento de que é necessário extrapolar os padrões tipicamente acadêmicos que hierarquizam como superior o mental /racional, para acolher outras formas de vivência, de expressão e de construção de vínculos.

Em segundo lugar pontuamos, como desafio e potência, ao mesmo tempo, a complexa construção das competências relacionais e políticas para encarar a cocriação e, nomeadamente, pela convivência de sujeitos periféricos e não periféricos no movimento de mobilização, idealização e produção de eventos com finalidades democratizadoras. O desfecho atual, de assunção plena do protagonismo do coletivo periférico que torna o segundo um convidado dos eventos, se por um lado pode parecer uma redução de complexidade, pelo outro nos parece avançar em direção à autoafirmação desses sujeitos que não negam e sim partem da sua condição para se afirmar no quadro sociopolítico da cidade. 

 

5. Algumas conclusões

Neste texto trazemos reflexões sobre o conceito de “experiência pública” e suas interconexões com as noções de “periferia” e “sujeito periférico”, movendo da apresentação de uma prática sociocentrada, realizada em Porto Alegre. Apresentamos o CPEC, como fluxo de eventos, resultado do processo de cocriação por parte de dois coletivos respectivamente compostos por sujeitos, periféricos e não. A partir daí, usando a lente do conceito de experiência pública, o interpretamos como processo investigativo e de aprendizagem com potencial de ampliar os cânones da participação democrática na cidade. Afirmamos também que o CPEC, desde sua criação, coletiva e “sem script”, produziu ativação de cidadanias periféricas e a possibilidade de escuta dos sujeitos, como corpos-mentes que falam gerando transformação pessoal, uma rede de vínculos sociais e capacidades sociopolíticas que tendem a compor uma nova geração de inovações democrático-participativas em Porto Alegre.

Ao mesmo tempo, a reflexão aqui desdobrada nos oportunizou aprofundar a hipótese, sustentada por observações realizadas neste como em outros casos, de que existe uma relação privilegiada entre periferia e experiência pública, especificamente na forma como conceituamos ambas. Entendemos as periferias como espaço (não apenas físico) resultante de processos de hierarquização simbólica e política operados pela visão dominante, mas também como espaço em que grupos sociais subalternizados desenvolvem processos de subjetivação fincados em valores antagônicos aos que são dominantes na sociedade do capitalismo globalizado. Portanto, as periferias se tornam lócus privilegiado da construção de práticas autônomas e sociocentradas, integradoras de dimensões tradicionalmente expulsas do espaço público pela tradição ocidental moderna (corporeidade, emocionalidade, ritualidade, espiritualidade etc...) práticas que definimos de experiências públicas. Nesta definição salientamos como o caráter precipuamente individual próprio do conceito de experiência se transmuta, na e pela ação coletiva, chegando a adquirir valor público, graças à partilha de dimensões que abraçam e extrapolam o meramente racional para acolher a multidimensionalidade e complexidade sociocultural dos sujeitos.

Voltando à específica experiência pública que é o CPEC, destacamos a importância das lutas como processos de democratização desde os setores excluídos, promovendo espaços e oportunidades de escuta e fala de grupos periféricos. Também apontamos que a evolução atual da experiência, apresentando a assunção plena do protagonismo do coletivo periférico nos parece avançar em direção à autoafirmação desses sujeitos que não negam e sim partem da sua condição para se afirmar no quadro sociopolítico da cidade.

 

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[1] Identificador persistente ARK: https://id.caicyt.gov.ar/ark:/s25250841/yjd6713wj

 

Fecha de recepción: 27/06/2024. Fecha de aceptación: 30/12/2024.

 

[2] Universidade Federal do Sul da Bahia, Bacharelado em Gestão Pública e Social, do Centro de formação em Ciências Humanas e Sociais (CFCHS); docente permanente do Programa de pós graduação em Estado e Sociedade (PPGES/UFSB); coordenadora do Paidéia, Laboratório transdisciplinar sobre Metodologias Integrativas para Educação e Gestão Social.

Porto Seguro, Bahia, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-7321-0437

valeria.giannella@csc.ufsb.edu.br

 

[3] Universidad Federal de Pelotas/ UFPel, Instituto de Filosofia, Sociología y Politica, Programa de Posgrado en Sociología

Pelotas, Brasil

http://orcid.org/0000-0002-3753-5020

adrianeferrarini@gmail.com

[4] Tratamos aqui do CPEC, mas a pesquisa em curso se estende a outras práticas sociocentradas e busca reconhecer, compreender e fomentar possíveis espaços de experimentação democrática.

[5] Este foi o começo da fala da Helena Silvestre, escritora, ativista, poetisa negra-indígena-nordestina, na palestra que proferiu na Conferência “Variações sobre um quadro de crise democrática”, organizada pelo Programa de Pós-Graduação em Estado e Sociedade da Universidade Federal do Sul da Bahia em outubro de 2022, em Porto Seguro-BA.

[6] Tratamos aqui do CPEC, mas a pesquisa em curso se estende a outras práticas sociocentradas e busca reconhecer, compreender e fomentar possíveis espaços de experimentação democrática.

[7] Logo abaixo, na nota 8, trazemos uma definição do que são as Metodologias Integrativas. Aqui ao falarmos da caraterística de integralidade do CPEC, nos referimos especificamente à constante busca de se acolher, no processo, as muitas dimensões do humano costumeiramente tidas como espúrias à racionalidade própria do espaço público.

[8] Medellín, enquanto cidade do Sul global, se tornou inspiradora para muitos outros contextos, pelo seu processo de renascimento urbano e devido ao caráter fortemente participativo, criativo e inovador da abordagem assumida.

[9] Ao aludir aqui a “processos integrativos”, referenciamos o conceito de “Metodologia Integrativa” (Giannella, 2011; Giannella & Batista, 2013). Chamamos de integrativas aquelas práticas metodológicas (e, no caso, processos que as utilizem) onde as dimensões da corporeidade, emotividade, criatividade, espiritualidade, ..., tradicionalmente excluídas dos espaços e processos públicos, são, pelo contrário, acolhidas e fomentadas. Em suma, elas aludem à possibilidade de superação da separação corpo-mente (e das muitas outras dicotomias que estruturam o sujeito assim como o pensamento moderno), e à inclusão dos sujeitos em sua unidade sentipensante (Fals Borda, 2012).

[10] Falamos de construção do problema público nos distanciando de uma postura naturalista que assume os problemas como dados, existentes “lá fora”; em vez disso reconhecemos a construção de algo enquanto problema público como êxito de um processo social que encara alguma situação como fora da normalidade e, coletivamente, indaga sobre reconfigurações dela (Boullosa, 2013).

[11] Este Programa está ligado à Rede Internacional das Cidades Educadores, que foi criada há mais de 30 anos em Barcelona, como um movimento composto por cidades que tratam a educação para além do seu sentido formal, articulando o conjunto da sociedade em torno de uma educação cidadã. Porto Alegre foi uma das primeiras cidades educadoras do Brasil, mas deixou de participar em 2016 por desinteresse de gestões públicas anteriores. A cidade retornou à Rede em 2022 e a administração pública viu no CPEC um espaço importante para articulação de educação cidadã na cidade.